segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Crônicas Renegadas



Olá, pessoal! Hoje venho compartilhar com vocês um site onde vocês podem encontrar alguns textos meus. Pra que já conhece é o site do Renegados Cast. Se você ainda não conhece, corra para o conferir o site deles porque você está perdendo tempo. Tem muita coisa interessante por lá.

Bem, desde agosto os meus textos têm saído na coluna Crônicas Renegadas. Sugiro que aproveitem para conferir os diversos textos que eles vêm publicando, de autores variados. Tem muita coisa legal, muita coisa mesmo. Além dessa grande oportunidade para escritores disponibilizarem seus trabalhos, ainda existem diversas colunas interessantes sobre literatura, onde eles fazem resenhas dos últimos lançamentos.

O podcast deles é um tópico à parte. Muito divertido e hora ou outra abordam temas de literatura ou assuntos correlacionados. Você pode conferir também conversas com grandes escritores brasileiros, como Eduardo Spohr e Fábio Barreto. confiram lá!

Aproveito para agradecer aos organizadores do site pelo apoio durante todo esse tempo!

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Contos Sonoros - DIÁRIO DE UMA CURA


Você já conhece o projeto “Contos Sonoros”? Trata-se de um podcast voltado a narrar contos de escritores brasileiros, no site do Meia Lua pra Frente e Soco. Recomendo muito que confiram. Trata-se de um audio de contos, geralmente narrados pelo próprio autor. É possível ouvir diretamente no site ou fazer o download para ouvir depois e quando quiser. É uma grande oportunidade para autores disponibilizarem seus textos de uma forma alternativa, uma ótima iniciativa.

E hoje, no quarto episódio, tem um conto meu, o “Diário de uma Cura”, que já foi publicado aqui no blog. São cerca de 15 minutos de audio. Confira o audio
AQUI e o texto escrito AQUI .

Aproveito para agradecer aos organizadores do site, pelo convite e apoio!

domingo, 3 de novembro de 2013

QUANDO A VIDA LHE SORRI


- Senhor, já estamos fechando, gostaria de uma saideira antes? - disse o garçom sacudindo-o pelo ombro esquerdo. 

Abílio levantou a cabeça lentamente. Os outrora negros e vivos olhos eram agora duas esferas vermelhas circundadas por profundos sulcos escuros. Desde que tomou consciência do que vinha acontecendo, não conseguia pregar os olhos um instante sequer. Parece que a ignorância é um presente às vezes.

- Senhor? Gostaria de mais uma bebida? - insistiu o garçom, agora encarando-o fixo nos olhos.

- Ah, sim. Mais uma, é claro - aceitou ainda meio confuso. 

Correu os olhos vagarosamente pelo estabelecimento. Só algumas poucas pessoas ainda permaneciam no bar, muito bêbados para conseguirem voltar para casa sozinhos. Não era a imagem que ele guardava do bar, mas nunca tinha ficado até tão tarde naquele local, embora o visitasse com bastante frequência ao sair do trabalho. Estranhamente, naquele momento, lhe pareceu o ambiente perfeito para se estar. Era o que mais combinava com seu estado de espírito. Eram figuras estranhas aquelas que o rodeavam. Solitárias e amarguradas pelas mais diversas razões. Buscavam na bebida um refúgio momentâneo. Assim também era com ele naquele dia.

- Aqui está sua bebida, senhor - o garçom o trouxe de volta à realidade, deixando um copo com um líquido escuro à sua frente - e aqui está sua conta. Tenha uma boa noite - completou.

Pegou o copo na mão e o encarou durante algum tempo, se perdendo novamente em seus pensamentos. Viu seu reflexo contra o copo ainda cheio. Lembranças. Elas não paravam de lhe atormentar nos últimos tempos. Gritos, palmas, abraços apertados. Foi a primeira vez que foi até aquele bar. Chegou com os amigos ainda era dia. Logo alguns familiares e mais amigos se juntaram a ele. A alegria era muita. Quando começou os exames para a faculdade não acreditava muito que seria aprovado e, na verdade, não tinha muitas chances mesmo. Mas a vida lhe sorriu naquele dia. Estava eufórico, mas ainda não superava a alegria de seu pai. Uma pena que a irmã não pode comemorar com eles aquele momento tão feliz. Ainda não tinha completado 18 anos e, mesmo com o pai e a mãe juntos, ela foi impedida de entrar.

- Assim que completar a idade virei aqui e esfregarei minha identidade na cara desses seguranças - disse ao dar as costas à família e voltar para casa.

Não demorou muito. Na verdade, apenas duas semanas depois, agora maior de idade, Ariane voltou até lá. Resolveu que era o lugar ideal para comemorar essa nova fase da vida. Entrar naquele bar seria um marco da vida adulta. Abílio ficou pouco tempo e saiu tranquilo, deixando a irmã tomando um refrigerante com gelo e limão. Tanto esforço para nem beber, pensou consigo antes de deixar o recinto. Foi acordado pela mãe no meio da madrugada. Ao sair do bar, a irmã foi atropelada por um motorista bêbado enquanto ainda estava parada na calçada, bem em frente ao estabelecimento. Na pressa, se esqueceu de trocar as roupas e só se deu conta de que estava de pijamas quando amparava Ariane nos ombros. Nada muito grave, apenas alguns dias com a perna engessada e tudo estaria bem.

Uma cadeira arrastada no canto do bar o trouxe de volta. Os garçons já começavam a juntar tudo para fazer a limpeza. Era a hora. Virou a bebida de uma vez. Tomou a jaqueta de couro e se levantou. Caminhou como um zumbi por entre aquele amontoado de cadeiras e garrafas vazias. Empurrou a porta e saiu. Em breve o dia nasceria e começaria a esquentar um pouco. Mas até essa hora um vento cortante varria as ruas ainda desertas. Vestiu a pesada jaqueta e virou-se à direita, acendendo um cigarro, após um certo tempo lutando contra o vento.

Um cachorro seguiu andando na sua frente durante bastante tempo, entrando e saindo dos becos escuros pelos quais ia passando. Só mesmo uma pequena criatura daquelas para conseguir arrancar um leve sorriso de seu rosto naquele momento. Não que fosse um sorriso, mas era o mais próximo disse que ele conseguia exprimir. A região era perigosa, mas hoje parecia que todos os bandidos estavam de folga. Talvez fosse por causa da fina chuva que tinha caído a noite toda. Atravessou a estreita rua e caminhou pela calçada em frente à pequena pracinha de lâmpadas queimadas. Durante o dia era um amontoado de mendigos, velhos conversando ou jogando baralhos e pombas. Muitas pombas, geralmente alimentadas pelas duas primeiras classes de frequentadores. Agora estava silenciosa, provavelmente apenas os mendigos estavam por ali, mas encolhidos em algum canto seco.

As pernas pararam por conta própria em frente a um banco. As imagens pareciam se formar bem diante de seus olhos. Era um dia extremamente quente e o Sol queimava suas costas violentamente. Camiseta preta! Quem em sã consciência sairia de camiseta preta em dia como aquele? Mas ele saiu e agora sofria as consequências. Parou um momento em frente a um carrinho para tomar uma água de coco e repor os líquidos perdidos incessantemente durante aquele dia. Foi então que o celular vibrou. Era do escritório onde fazia estágio. O que seria agora? Será que havia esquecido de assinar algum documento? Tinha se certificado de que não faltara nada antes de sair.

- Pronto - atendeu ainda vasculhando sua cabeça, em busca de alguma falha.

- Olá, Abílio, aqui é Verônica. O Dr. Francisco acabou de voltar do almoço e gostaria de falar com você amanhã pela manhã. Eu gostaria de verificar se é possível.

- Tudo bem, estarei aí logo cedo. Mas...o que aconteceu? Esqueci de preencher algum documento ou de entregar algum relatório?

- Não, fique tranquilo. Eu não posso te adiantar muita coisa, até porque não sei bem ao certo o que é, mas o seu trabalho aqui nesses meses foi muito bem visto pela gerência. Eles querem te contratar, Abílio. Amanhã lhe farão uma proposta formal para que você continue conosco, assim que terminar a faculdade. Até amanhã então. O Dr. Francisco deve chegar por volta das nove horas. Não se atrase. E, parabéns.

- Obrigado, estarei aí na hora - foi o que conseguiu falar de forma automática. Estava incrédulo. Conseguir o estágio num dos escritórios mais respeitados da cidade já tinha sido uma conquista. Mas ser contratado poucos dias antes da cerimônia de formatura era algo impensável. Com as mãos trêmulas, discou para a mãe e deu as boas novas. A vida havia lhe sorrido mais uma vez.

Permaneceu parado alguns minutos. Era difícil saber ao certo quanto tempo havia se passado. O turbilhão de sensações era enorme. Ali, na frente daquele banco tinha recebido uma das melhores notícias de sua vida. Ali, na frente daquele mesmo banco, Eduardo foi assaltado uma semana depois. Era um grande amigo que havia feito na faculdade. Na verdade, era quase como um irmão. Voltava sozinho para casa uma noite, como já fizera inúmeras vezes. Foi abordado por dois garotos que pareciam drogados. Com prudência ele não reagiu e entregou tudo que foi pedido pelos garotos, mas de nada adiantou. Mal passou os tênis, um dos garotos lhe atirou na perna. No desespero, acabou se virando e correndo para o interior da praça. No caminho mais dois tiros o atingiram nas costas. Os garotos subiram correndo a rua, deixando o corpo estendido no chão. Abílio recebeu a notícia quando se preparava para começar o primeiro dia de trabalho. A alegria daquele dia acabou sendo abafada pela tristeza daquele acontecimento. Por sorte a ambulância chegou rápido e Eduardo sobreviveu, embora nunca mais fosse andar, já que uma das balas destruiu uma vértebra.

Um carro passou rápido por alguma rua próxima, cantando pneus ao fazer uma curva mais acentuada. Foi o suficiente para tirar Abílio do transe em que estava e trazer-lhe de volta a si. Involuntariamente, voltou a mover as pernas e seguiu para casa. Os olhos não enxergavam muito, pois a mente vagava por cantos escondidos de sua memória. A bota estava bastante suja de lama, já que não desviava mais das poças na calçada esburacada em frente à praça. Atravessou a rua, virou à direita e seguiu até a ampla avenida cheia de azaleias. Subiu algumas quadras e se deparou com o imponente prédio histórico que agora abrigava a galeria de artes. Desde pequeno sempre gostou muito de desenhar e pintar. Nada sério, apenas um passatempo nas horas vagas. Com a faculdade e depois o trabalho acabou deixando essa atividade de lado. Mas eis que um dia, assim sem aviso prévio, Vivian achou seus desenhos antigos, perdidos em uma pasta empoeirada no fundo de uma gaveta esquecida.

- Por que você nunca me disse que desenhava tão bem?

- Por dois motivos. Primeiro que eu não desenho assim tão bem quanto você está falando. Segundo, que eu mesmo acho que já tinha me esquecido disso. Faz muito tempo que não pego em lápis e papel. Muito tempo mesmo.

- Pois então você deveria voltar a essa atividade, querido - disse, lhe entregando a pasta com os desenhos e lhe dando um longo beijo. - Eu poderia posar para você qualquer dia desses, o que acha? Agora preciso ir. Não se esqueça de comprar as frutas que lhe pedi, preciso delas para fazer aquela sobremesa que sua mãe tanto gosta.

Abílio ficou parado com a pasta nas mãos durante um tempo. Ponderou e realmente tinha tempo suficiente para se dedicar àquela atividade que lhe dava tanto prazer. Acabou voltando a desenhar nos momentos vagos. O primeiro desenho foi de Vivian. Aquilo os excitava muito e paravam várias vezes, o que fez com que o desenho demorasse bem mais que o esperado para ficar pronto, mas nenhum dos dois se importou muito. Depois acabou postando algumas fotos em redes sociais e, indo contra sua natureza tímida, mostrou a alguns amigos. A reação era sempre de espanto e admiração. Não demorou muito para que começassem a lhe incentivar a submeter os trabalhos para a avaliação de algum especialista. Após relutar muito, acabou cedendo e, em menos de um mês, o diretor daquela galeria o convidava para expor seus desenhos. Ele estava organizando uma mostra de artistas novos e tinha se interessado muito pelo que Abílio tinha apresentado.

Ah, a vida. Ela lhe sorria mais uma vez. Agora não apenas na sua vida profissional, mas também quando fazia algo que era apenas para relaxar e dar vazão a suas emoções. Seria justo isso? Muitos artistas tentavam durante anos expor seu material e agora ele, apenas um mero advogado que rabiscava nas horas vagas, tinha conseguido. Não interessava também. Seus desenhos tinham sido escolhidos.

Que noite maravilhosa foi a abertura da exposição! E como Vivian estava deslumbrante. Ah, ele não conseguia tirar os olhos dela. Não tinha muito tempo que estavam juntos mas ele tinha certeza de ter encontrado a pessoa perfeita para passar o resto dos dias. Ele desfilou com ela por entre os desenhos de todos os artistas. A apresentou a tantas pessoas quanto pode. Era uma noite perfeita. Tudo estava caminhando dentro da conformidade, até todos serem surpreendidos pelos estrondos sucessivos de pneus cantando, metal se contorcendo e vidros se quebrando. A multidão logo se formou em frente ao prédio. Permaneciam perplexos com a visão do carro que derrubou um poste antes de bater em uma árvore.

Abílio logo reconheceu o carro. Era de Ernesto, o único amigo do trabalho que ainda não havia chegado. Os dedos não obedeceram quando tentou ligar para a ambulância. A imagem era desoladora. Só por um milagre o amigo conseguiria sair com vida. Abraçou Vivian com força e começou a chorar. Passou o resto da noite acordado no hospital, esperando por notícias. Ele havia sobrevivido, mas até quando suportaria ninguém poderia dizer com certeza. Foram longas semanas indo todos os dias ao hospital, até que o amigo finalmente descansou. Tentaram de tudo, mas os ferimentos foram muito profundos e ele acabou não resistindo.

- Sinto muito, querido - lá estava Vivian, com a mão em seu ombro assim que a notícia chegou.

- Eu tinha certeza que ele sairia dessa, Viv, eu tinha absoluta certeza.

- Tente se acalmar. Bem, sei que não é melhor hora, mas hoje é o último dia de sua exposição. Os desenhos precisam ser retirados amanhã. Se acaso você não se importar eu posso cuidar disso para você.

- Eu havia me esquecido completamente. Todos esses dias não tive cabeça para mais nada. Eu agradeceria imensamente se você pudesse cuidar de tudo. O que seria de mim sem você, hein? - completou encostando a cabeça no ombro de Vivian. - Me sinto um pouco culpado por isso. Se não fosse essa exposição ele não teria passado por aquele lugar e nada disso teria acontecido - completou com uma lágrima escorrendo preguiçosa sobre seu rosto.

- Não diga isso, foi pura coincidência, um golpe do destino. Apenas isso.

- Eu sei, mas às vezes me parece injusto eu estar tão feliz, enquanto pessoas ao meu redor estão sofrendo tanto. Só isso.

Pela primeira vez pensou na coincidência dos acontecimentos. Logo em um dia de festa por uma realização em sua vida, acontecia uma desgraça dessas. A princípio pensou no azar que tinha se abatido sobre ele, mas depois, com calma, começou a relacionar os fatos antigos. Não tinha a menor lógica o lhe ocorria naquele instante, mas toda vez que algo de bom acontecia com ele, alguém próximo sofria de alguma forma. E as conquistas mais difíceis pareciam vir acrescidas de calamidades maiores. Era como se, de alguma forma, a natureza se encarregasse de manter um equilíbrio ilógico. Ele estava exercendo um peso muito forte em um lado da balança e, para remediar, os outros acabavam sofrendo. Não apenas os outros. Ele também era diretamente atingido pelas aflições deles. Que besteira! Tudo era apenas uma sobreposição de acontecimentos aleatórios.

Finalmente chegou ao seu prédio. Em alguns minutos o dia amanheceria e Vivian retornaria da viagem. Entrou sem pressa e fechou o portão de forma mecânica. Os olhos estavam baixos. Todas aquelas lembranças o estavam destruindo. Subiu as escadas com a mão no bolso. Retirou um pequeno envelope e entregou ao porteiro.

- Bom dia, você poderia entregar ao meu pai amanhã, por favor?

- Bom dia, senhor Abílio. Entregarei sim, claro. O senhor parece um pouco cansado.

- Estou mesmo, mas logo vai passar. Já vou repousar. São só alguns pensamentos que têm me atormentado. Não se esqueça de entregar ao meu pai, por favor.

- Sim, senhor. Tenha um bom descanso.

Entrou no elevador e apertou o último andar. Aquele lugar lhe dava calafrios. Foi ali que, algumas horas antes, se deu conta que tudo era bem mais que coincidência. Estava voltando para casa na tarde anterior quando recebeu uma ligação. Era do gerente de uma companhia para a qual o escritório havia prestado um serviço há alguns meses. Eles queriam contratá-lo. As condições eram excelentes. O salário seria muito superior e ainda iria se mudar para outro país, onde o nível de vida era muito melhor. Sem contar que sempre foi o sonho de Vivian morar em outro país. Estava radiante e mal podia esperar para contar a ela a novidade. Mais uma vez a vida lhe sorriu, mas seus dentes se tornaram podres, o sorriso era vazio e a gargalhada era de deboche.

Ainda estava no elevador quando seu pai lhe telefonou e informou que a mãe estava com câncer. Tinha acabado de descobrir. Desligou o telefone sem outra reação. O que faria agora? Já era demais para continuar acreditando que era apenas o destino. Havia algo tentando colocar as coisas no eixo. Não fazia sentido, mas era o que ocorria. Sabe-se lá como, mas o equilíbrio sempre era refeito e quem sofria eram seus amigos e familiares. E se ele recusasse a proposta, mudaria algo? Não, já era uma conquista sua, independente da resposta que desse. Esmurrou a parede e encostou a testa na fria porta do elevador, enquanto dava vazão a seu pranto.

Estava imóvel em frente ao espelho, mas o barulho da porta se abrindo despertou-o. Deixou o elevador e pegou a escada de incêndio à sua frente, mas ao invés de descer, tomou o lado esquerdo e se dirigiu para o terraço do prédio. Ventava muito e o Sol começava a esboçar sua aparição no horizonte. Caminhou lentamente retirando um papel do bolso da jaqueta. O mesmo papel que desencadeou sua saída repentina de casa e todos os pensamentos que se sucederam.

Ainda estava muito chocado com a notícia da mãe quando abriu a porta de casa. Em alguns segundos a euforia da notícia do emprego novo se transformara em uma agonia profunda, não apenas pela doença da mãe em si, mas pela consciência de que havia algo errado com ele. Quantas pessoas ainda teriam que sofrer a cada vez que ele se desse bem na vida? Por que isso acontecia com ele? Por que? Não fazia sentido, mas vasculhou sua mente em busca de recordações de outros acontecimentos. Cada vez ficava mais claro para ele.

Por sorte Vivian ainda não estava em casa naquela hora. Não sabia como dar as últimas notícias a ela. Só queria ficar sozinho e pensar com calma em alguma explicação plausível. Mas era inútil. Chegar a uma solução, então, sem a menor chance. Empurrou a porta e encostou as costas na parede ao lado. Os pensamentos vagavam desorganizados. Caminhou lentamente até a cozinha. Sobre a mesa estava o envelope aberto com a folha e sobre eles repousava um bilhete com uma marca de batom no final. "Te amo cada vez mais. Amanhã comemoramos, quando eu voltar da viagem. V.". Tomou-o na mão e choque foi instantâneo. Era um exame de gravidez. Positivo. Apenas apanhou a jaqueta de couro e saiu novamente. Precisava tomar algo e pensar com calma. Sozinho.

O mesmo exame agora estava em suas mãos no alto do prédio. Ainda caminhava vagarosamente de um lado para o outro. Ao alcançar o parapeito, debruçou-se com os olhos marejados e observou a cidade. O Sol começava a se levantar e alguns raios já se esgueiravam entre os prédios e ruas mais distantes. Olhou mais uma vez o exame. Era a melhor notícia que já havia recebido na vida. Mas o que viria com ela? Quanto sofrimento aquilo acarretaria às pessoas que ele amava?

Colocou os pés sobre o parapeito e levantou-se. O vento bateu forte em seu rosto, secando as lágrimas que escorriam, enquanto outras se formavam em seus olhos. Só havia uma saída. Seria um sofrimento para todos receberem essa notícia, mas ele tinha explicado tudo na carta que seria entregue ao pai. Com o tempo o sofrimento daria lugar à saudade apenas. E seria melhor. Eles poderiam viver as vidas normalmente, sem que a desgraça os rondasse a cada nova conquista sua. Apertou forte o exame em suas mãos e deixou o corpo cair preguiçoso do prédio. Manteve os olhos fechados, tentando imaginar como seria o rosto do filho que estava a caminho. Eles nunca se conheceriam, é verdade. Mas ele teria a chance de ser feliz. Deixou escapar um sorriso tímido de seus lábios. Agora era ele quem sorria para a vida.

Este conto foi escrito em resposta ao 13° Desafio Literário da Skynerd, cujo tema era: Uma pessoa que descobre que cada vez que algo dá certo na sua vida, algo diferente acontece com as pessoas próximas...